segunda-feira, 28 de setembro de 2009

ESTADO, MAIOR VIOLADOR DOS DIREITOS HUMANOS

ESTADO, MAIOR VIOLADOR DOS DIREITOS HUMANOS

Por Marcos Antônio Santos Bandeira

publicado em 23-07-2008

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ESTADO, MAIOR VIOLADOR DOS DIREITOS HUMANOS

Não concebemos o Estado, senão como um ente incumbido de assegurar as condições mínimas de vida, no sentido de que os indivíduos ou grupos sociais atinjam seus fins culturais, econômicos, sociais e políticos, ou seja, a estrutura politicamente organizada de um Estado, representada por seus órgãos estruturais, tem como destinatário final a dignidade do próprio ser humano. Destarte, as idéias iluministas do Século XVIII, representadas pelos pensamentos exteriorizados de Locke, Monstesquieu, Voltaire e, principalmente, de Rosseau, de fato, contribuíram decididamente para a concepção do Estado moderno. Consoante o “Contrato Social” de Rosseau, cada indivíduo, para conviver pacificamente na sociedade, cede parcela de seus direitos individuais que são depositados na vontade geral, fonte de onde emana todo o poder do Estado. Apesar de algumas restrições ao pensamento de Rosseau, vê-se que no contrato social, não obstante as limitações das liberdades públicas, o indivíduo não cedeu todos os seus direitos e o Estado não deve invadir a esfera individual do cidadão, extrapolando assim os seus conhecidos limites, sem que haja a incidência da coerção do direito.

Nos conflitos individuais ou plurisubjetivos de interesses ou naqueles em que o cidadão é acionado pelo Estado, este, através dos órgãos jurisdicionais incumbidos de aplicar coercitivamente o direito, atua de forma eficaz, mercê dos privilégios processuais (foro privilegiado, prazo em dobro para recorrer e em quádruplo para contestar, etc.), sujeitando os direitos e bens dos particulares, de forma imediata, à satisfação do prejuízo experimentado pelo Estado (União, Estados-membros e municípios). Todavia, o princípio isonômico não é observado quando o Estado passa a ser o violador do direito individual, descumprindo as leis que ele próprio elaborou. Na verdade, aí o Estado passa a se constituir um gigante instrumento de opressão, violando o próprio contrato social, quando ele deveria ser o primeiro a dar o exemplo, ou seja, obedecer fielmente às leis para também eticamente exigir o seu cumprimento de todos os cidadãos.

O Ministro do STF Carlos Veloso, numa entrevista, disse textualmente que o Estado é hoje o maior violador de direitos. Essa assertiva é facilmente constatada através das enxurradas de ações de interesse da União que tramitam nas prateleiras da suprema corte. Muitas vezes é humilhante a situação de um cidadão que tem seu direito individual violado e provoca o Poder Judiciário para obter uma prestação jurisdicional. Com efeito, no âmbito da Justiça Comum, após submeter-se a um demorado processo, no qual é garantido o mais amplo direito de defesa e os privilégios processuais já conhecidos, o indivíduo que obtém uma sentença condenatória contra a União, Estado-membro ou Município, terá que aguardar a confirmação da sentença de primeiro grau pelo juízo de segundo grau de jurisdição, em conformidade com o descabido reexame necessário, exceto nos casos em que o valor da causa seja de até 60 salários mínimos. Depois de confirmada a sentença, o Presidente do Tribunal encaminha ao Poder Executivo uma lista de valores que deverão ser pagos pelas pessoas jurídicas de direito público, em decorrência da decisão judicial em seu desfavor, para que a dotação correspondente ao referido débito seja incluída no orçamento do exercício seguinte, para seu pagamento atualizado até o final desse exercício. É o sistema de precatórios.

Perguntar-se-á: se, mesmo incluído no exercício seguinte e com dotação orçamentária, não houver pagamento, o que acontece? O artigo 100, § 2º, da Constituição Federal estabelece que compete ao Presidente do Tribunal que pronunciar a decisão exeqüenda autorizar, a requerimento do credor, e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito. No mesmo sentido, preceitua o art. 731 do Código de Processo Civil que, se o credor for preterido no seu direito de preferência, o Presidente do Tribunal que expediu a ordem, poderá, depois de ouvido o Chefe do Ministério Público, ordenar o seqüestro da quantia necessária para satisfação do débito. Entretanto, tal dispositivo tem recebido interpretação taxativa pela Suprema Corte, que não tem admitido qualquer outra razão que justifique o referido seqüestro, entendendo que o caso de preterição do credor não pode ser equiparado às situações de não-inclusão da despesa no orçamento, de vencimento do prazo para quitação ou qualquer outra espécie de pagamento inidôneo, situações em que ficaria configurado o descumprimento de ordem judicial, sujeitando o infrator à intervenção federal ou estadual, conforme o caso.

O STF entende ainda que um dos pressupostos para a intervenção de um ente federativo em outro ente político da Federação é que o descumprimento da sentença transitada em julgado seja voluntário e intencional. Assim, o atraso do pagamento de precatórios em razão da insuficiência de recursos ensejaria a exclusão do elemento volitivo, pois seria uma espécie de inadimplência involuntária.

Ora, como é sabido, qual o interesse do cidadão na intervenção do Estado? Já sabemos que os interesses políticos partidários são iniludivelmente mais fortes e não permitem tal situação inusitada, pelo menos em nosso Estado. A bem da verdade, o cidadão, apesar de possuir parcela da soberania popular de onde emana todo o poder, ficará a ver navios, pois não terá o seu direito satisfeito ante o poder arbitrário e ilegal do Estado.

Indagar-se-á: o que deve fazer o cidadão para fazer valerem seus direitos? Percorrer o doloroso caminho do precatório? A bem da verdade, o cidadão, diante da constatação de sua própria impotência, acaba, invariavelmente, desistindo e aceitando caladamente a perda como algo absolutamente normal. Ocorre, entretanto, que o Estado, agindo como verdadeiro instrumento de opressão, foge de seu verdadeiro compromisso voltado para a preservação da dignidade humana.

Na verdade, não entendemos a permanência da restrição legal de que pessoas jurídicas de direito público da esfera estadual, distrital ou municipal figurem no pólo passivo em ações propostas nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais, como estabelece o art. 8º da Lei nº 9.099/95, visto que a Lei 10.259/01, que regula os Juizados Especiais Cíveis Federais, permite a presença da União e das autarquias federais no pólo passivo das demandas ajuizadas perante aqueles Juizados. Outrossim, a Lei 10.259/01 estabelece que não há benefício de prazo em favor da Fazenda Pública (art. 9º), impôs à entidade pública federal o dever de produzir provas contra si mesma (art. 11), excluiu o reexame necessário (art. 13) e dispensou a expedição de precatórios para o pagamento de débitos por entidades públicas federais (art. 17), tudo em se tratando de demandas propostas nos Juizados Especiais Cíveis Federais. Observa-se que a referida lei retirou da Fazenda Pública prerrogativas inaceitáveis, o que significou um relevante avanço no sentido de possibilitar ao cidadão condições dignas para pleitear em Juízo contra o Estado, sem se sentir impotente diante deste gigante inatingível.

Não obstante a inegável importância do supracitado diploma legal, não se pode olvidar que as inadmissíveis prerrogativas processuais em favor da Fazenda Pública permanecem no âmbito da Justiça Comum, quando o valor da causa ultrapassar 60 salários mínimos. Rogamos aos nossos legisladores para que remediem essa situação tão aviltante e que coloca o Estado como gigante inatingível e o maior violador dos direitos humanos. Não podemos conceber um Estado como algo acima do bem e do mal e longe da incidência da norma legal, mas como um ente politicamente organizado e que visa, acima de tudo, preservar e defender a dignidade humana.

Bel. Marcos Antonio Santos Bandeira – Juiz de Direito.

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