segunda-feira, 28 de setembro de 2009

MUDANÇAS NO TRIBUNAL DO JÚRI EM PLENÁRIO

MUDANÇAS NO TRIBUNAL DO JÚRI EM PLENÁRIO

Por Marcos Antônio Santos Bandeira

publicado em 14-07-2008

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MUDANÇAS NO TRIBUNAL DO JÚRI EM PLENÁRIO

A nova lei revoga alguns dispositivos da Lei de Organização Judiciária do Estado da Bahia que disciplina o Tribunal do Júri, precisamente o § 1º do art. 94 e o art. 98, I e VI, pois, como se depreende da leitura do § 1º do art. 433 da Lei nº 11.689/2008, o sorteio dos jurados para a reunião periódica será realizado entre o 15º e o 10º dia útil da instalação da sessão, e não no período de 15 a 30 dias antes da data designada para a sessão. Verifica-se que, também, o libelo foi extinto e que não são mais vinte e um, e sim exatos vinte e cinco jurados. Com efeito, infere-se que o legislador local pecou ao disciplinar tema afeto à competência da União - a seara processual penal -, quando deveria limitar-se às peculiaridade locais, como o período e a forma das reuniões periódicas e os fatos que ensejam a convocação de reuniões extraordinárias, expondo-se assim à revogação de vários de seus dispositivos. Deveria, v.g., em consonância com o princípio de acesso à justiça e da justiça itinerante, estabelecer expressamente a possibilidade e as condições de realização de júri nos bairros ou distritos judiciários, com a utilização de equipamentos públicos, prestigiando, assim, a justiça itinerante.

O Tribunal do Júri, de conformidade com o disposto no art. 92, I e II da nova LOJ, se reunirá mensalmente na Comarca de Salvador, e bimestralmente nas demais Comarcas, o que importará, neste último caso, na preparação de várias sessões de dois em dois meses, com intervalo de pelo menos 30 dias, para que sejam realizadas as reuniões subseqüentes.

O início dos trabalhos da sessão do Tribunal do Júri não traz qualquer inovação importante, a não ser um melhor apuro técnico e precisão nos dispositivos relativos à constituição do Conselho de Sentença e intimação de testemunhas. Todavia é previsto, expressamente, o que a jurisprudência já admitia, ou seja, a possibilidade de realização de sessão do júri sem a presença do acusado solto, desde que previamente intimado, quebrando assim o mito da presença obrigatória do acusado no julgamento pelo Tribunal do Júri, consoante se infere pela leitura do art. 457 da Lei nº 11.689/2008. O júri também será realizado se o advogado do querelante ou o assistente de acusação, devidamente intimados, não comparecerem a sessão.

O quorum para a instalação da sessão continua o mesmo, ou seja, 15 jurados, devendo o juiz, certificada a existência de quorum, anunciar o processo que será submetido a julgamento. Após o anúncio do processo deverão as partes suscitar qualquer nulidade posterior à pronúncia, sob pena de preclusão, ressalvada a ocorrência de nulidade absoluta.

O legislador não andou bem ao determinar que o Ministério Público fale por último com relação às recusas imotivadas aos jurados, quando deveria reservar à defesa a última palavra. Na eventual possibilidade de separação de julgamento em plenário, a nova lei determina que o autor do fato deva ser julgado em primeiro lugar, aplicando-se o critério de coincidências de recusas em caso de co-autoria. Entendo que este dispositivo deva seguir de guia ao juiz, antes de realizar a sessão, pois não vislumbro como conciliar a situação quando as recusas imotivadas aos jurados em plenário determinarem que o partícipe seja julgado em primeiro lugar. A única solução seria então dissolver o Conselho de sentença e convocar nova sessão ou suspender a sessão por alguns instantes, sortear os jurados suplentes e convocá-los imediatamente para comparecerem a referida sessão. Formado o Conselho de sentença com o sorteio dos sete jurados e feita a exortação, o juiz deverá mandar distribuir aos juizes leigos cópias da pronúncia ou de decisões a ela posteriores e do relatório do processo, devendo o oficial de justiça certificar-se da incomunicabilidade e justificá-la.

Na instrução plenária, pela ordem, o juiz, o Ministério Público, o assistente de acusação e o defensor do acusado farão, diretamente, perguntas ao ofendido e as testemunhas, permanecendo, contudo, o sistema presidencialista com relação aos jurados, os quais poderão formular perguntas ao ofendido e as testemunhas, por intermédio do juiz. O legislador foi feliz neste particular, pois o juiz, antes de conceder a palavra ao jurado para as perguntas, deverá alertá-lo e orientá-lo para que formule perguntas objetivas e sem que deixe transparecer qualquer tendência acusatória ou absolutória, de sorte que o juiz figure como filtro entre os jurados e as testemunhas ou declarantes.

As partes e os jurados poderão requerer algumas diligências, como acareações, reconhecimento ou esclarecimentos de pessoas. Entretanto a leitura de peças (que consome normalmente muito tempo) agora fica limitada às provas colhidas em carta precatória, ou provas de caráter cautelar ou irrepetíveis, como o exame de corpo de delito, por exemplo. O interrogatório do acusado em plenário, como meio de defesa, será o último ato da instrução criminal, cujas perguntas serão realizadas nesta ordem: juiz, Ministério Público, assistente de acusação, querelante (quando for o caso) e o defensor . Os jurados, nos mesmos moldes da inquirição de testemunhas, formularão as perguntas por intermédio do juiz. A nova lei disciplina o uso de algemas no acusado em plenário, admitindo a sua utilização em casos excepcionais e se for absolutamente necessária para manter a ordem no recinto e para proteger testemunhas.

A possibilidade de gravação dos depoimentos de testemunhas e do interrogatório do acusado emprestará maior fidelidade às provas e celeridade na sessão, podendo reduzir, em até 60%, o tempo em relação às audiências tradicionais, eliminando, inclusive, a transcrição, como afirmou Rene Bernardes, diretor comercial da empresa Kenta Informática, responsável pela instalação do equipamento em vários tribunais do País. Esta é uma grande ferramenta que o juiz terá nas mãos, sendo que o Estado da Bahia poderá dar um salto de qualidade na prestação jurisdicional, caso a Presidência do TJBA estenda este equipamento de gravação audiovisual para as demais Comarcas do interior.

Como não existe mais o libelo e a pronúncia não deve conter menção às circunstâncias agravantes – que não sejam qualificadoras -, a acusação poderá sustentar a existência de circunstância agravante em plenário. O tempo para as partes foi reduzido de duas para uma hora e trinta minutos. Inobstante, não entendemos a razão da ampliação do prazo para a réplica e tréplica para uma hora, se o objetivo era tornar mais célere o procedimento e o espaço de meia hora sempre foi suficiente para contrariar os fundamentos da parte ex adversa ou para inovar na tese inicialmente apresentada pela defesa. A situação se complica ainda mais quando houver mais de um acusado, quando, então, o tempo de acusação será acrescido em mais uma hora, e elevado ao dobro o tempo da réplica e da tréplica.

A nova lei regulamenta os “apartes”, atribuindo ao juiz a conveniência de conceder o “aparte” negado pelo debatedor que está com a palavra, toda vez que entender que é relevante para o esclarecimento de algum ponto importante, devendo, neste caso, conceder até três minutos para que a parte que pediu se pronuncie, acrescendo ao tempo da parte que teve a sua fala interrompida.

A lei não mais fala em sala secreta, utilizando a expressão “sala especial”, de sorte que, numa interpretação constitucional voltada para a democratização do Tribunal do Júri, apoiada no princípio da publicidade dos atos jurisdicionais insculpido no inc. IX do Art. 93 da CF,será possível o juiz do tribunal do júri estruturar uma sala com vidros transparentes, devidamente separada do público e do acusado, para que estes acompanhem a movimentação da votação, pois o que deve ser preservado é o sigilo do voto, e não o sigilo da votação, como já sustentávamos em artigo publicado na coletânea “Princípios Penais Constitucionais”[1]. Acabaram-se as decisões do Tribunal do Júri por unanimidade. Agora, a votação será por maioria de votos. Caso ocorra uma seqüência positiva ou negativa de quatro votos, encerra-se a votação, preservando-se, assim, o sigilo do voto em absoluto.

Com relação à quesitação, impõe-se uma análise cuidadosa, pois, a pretexto da simplificação dos quesitos, poderão ocorrer situações capazes de ensejar até a nulidade do julgamento. O primeiro quesito será sobre a materialidade e o segundo sobre a autoria e a participação. O quesito relativo à letalidade foi expurgado. Logo após esses dois primeiros quesitos será feito o seguinte quesito: o jurado absolve o acusado? Esta pergunta não será formulada se, v. g., a tese defensiva for negativa de autoria ou de participação e seja acolhida pelos jurados ao responderem negativamente ao 2º quesito. O quesito absolutório será sempre submetido aos jurados caso a tese defensiva seja uma excludente de criminalidade ou de culpabilidade, devendo o juiz na sentença absolutória declinar o inciso correspondente à tese defensiva esposada em plenário. Todavia, não se sabe ao certo se o quesito será formulado quando a defesa sustentar a absolvição do acusado com fundamento na comprovação da inexistência do fato ou de não haver prova da existência do fato. Nesse caso, creio que bastaria a resposta negativa ao primeiro quesito – materialidade – restando prejudicados os demais quesitos. Caso os jurados decidam pela condenação ao responder negativamente ao quesito absolutório, o juiz, em seguida e pela ordem, indagará sobre alguma causa de diminuição de pena sustentada pela defesa, como, v.g., homicídio privilegiado. Em seguida, indagará sobre alguma qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecida na pronúncia. Aqui poderá ocorrer a figura do homicídio qualificado-privilegiado, caso os jurados reconheçam que o acusado matou, v.g., por motivo fútil (circunstância subjetiva) e mediante surpresa ou asfixia (circunstância objetiva). Caso a defesa sustente a desclassificação para o delito de lesões corporais seguido de morte, o quesito correspondente deverá ser formulado após o 2º quesito que versa sobre a autoria/participação, ou sobre o 3º, caso haja alternativamente uma tese absolutória, quando então esta deverá ser quesitada em primeiro lugar. Se a tese acusatória for a de crime de homicídio na sua forma tentada, o juiz, após reconhecida a materialidade e autoria delitiva, deverá formular o seguinte quesito: assim agindo, o acusado deu início à execução de um crime de homicídio que não se consumou por circunstâncias alheias à sua vontade, ou seja, por que foi impedido por terceiros? Caso a resposta seja positiva, indagar-se-á sobre a tese absolutória ou de diminuição de pena sustentada pela defesa. Caso a resposta seja negativa sobre a tentativa – animus necandi – operar-se-á a desclassificação própria, cabendo ao juiz-presidente proferir a sentença indicando a nova tipificação legal. Se em face da desclassificação operada em plenário configurar crime de menor potencial ofensivo, a competência será do juiz-presidente do Tribunal do Júri, não mais se remetendo os autos para o Juizado Especial Criminal, podendo, inclusive, propor a transação penal ou outro benefício previsto na lei. Evidentemente, se o órgão acusador não se conformar com a decisão desclassificatória dos jurados, deverá recorrer, e o juiz-presidente não poderá aplicar os dispositivos pertinentes aos crimes de menor potencial ofensivo. A questão relativa à quesitação comportaria ainda outras abordagens e questionamentos, mas em face da limitação de espaço do presente artigo não avançaremos e encerraremos por aqui.


Marcos Bandeira

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[1]BANDEIRA, Marcos Antônio Santos. Princípios Penais Constitucionais. Tribunal do Júri: uma leitura constitucional e atual. Ed. Podivm: Salvador-BA, 2007, p. 470. Deduz-se, portanto, que o sigilo do voto é que deve ser preservado como cláusula pétrea, inclusive, na sua plenitude, como permite o sistema francês que autoriza o encerramento da votação após alcançar o 4º voto unânime, seja no sentido de condenar ou absolver o acusado, mantendo-se assim absolutamente o sigilo do voto.

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