domingo, 27 de setembro de 2009

Sentenças: ABSOLUTÓRIA. TENTATIVA DE ROUBO

Sentenças

ABSOLUTÓRIA. TENTATIVA DE ROUBO

publicada em 10-07-2008


Ementa:

TENTATIVA DE ROUBO. PROVA INSUFICIENTE. INTERROGATÓRIO DO ACUSADO EM SINTONIA COM AS CIRCUNSTÂNCIAS E COM AS DEMAIS PROVAS DOS AUTOS. ABSOLVIÇÃO RECONHECIDA.


Processo nº 1575952-7/2007

AÇÃO PENAL PÚBLICA

Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO

Acusado: PEDRO SANTOS LISBOA

Defensor do acusado: Bel. FRANCISCO CARVALHO


O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, por intermédio de seu ilustre representante em exercício nesta Vara, ofereceu, com apoio no inquérito policial iniciado mediante auto de prisão em flagrante, DENÚNCIA contra PEDRO SANTOS LISBOA, devidamente qualificado nos autos, incursando-o nas penas do art. 157, caput, c/c o art. 14, II, todos do Código Penal Brasileiro, porque teria, no dia 17 de junho de 2007, por volta das 5 horas, nas imediações da Vila Zara, nesta Cidade, tentado assaltar o moto-taxista Pedro Jorge Cabral ao encostar-lhe uma faca grande que carregava consigo nas costas da vítima, ordenando-lhe que parasse a motocicleta.

Consta da peça incoativa que o acusado, no dia 17 de junho de 2007, por volta das 5 horas da manhã contratou uma corrida com o moto-taxista, em frente ao antigo Hiper Messias, no Bairro São Caetano, com destino ao bairro Conceição, quando teria puxado uma faca grande e ordenado que parasse o veículo, quando então o moto-taxista, pressentindo que seria assaltado, recusou-se a parar o veículo e jogou-o de encontro à guia da calçada, fazendo com que ambos caíssem ao solo, momento em que o denunciado saiu em disparada, entrando no quintal de uma das residências da localidade. Consta ainda da peça inicial que, minutos depois, o denunciado saiu dos fundos da residência, onde tinha se homiziado, já trocado de roupa, quando partiu novamente em fuga, sendo perseguido pela vítima, que o conteve com o auxílio de outro moto-taxista. Logo depois, a polícia militar chegou ao local e conduziu o acusado para o Complexo Policial, concretizando o flagrante.

A Denúncia veio acompanhada do respectivo inquérito policial iniciado mediante auto de prisão em flagrante, e foi recebida no dia 27 de julho de 2007. O acusado foi citado e interrogado judicialmente, oportunidade na qual negou a tentativa de assalto e declarou possuir advogado constituído na pessoa do Bel. Francisco Carvalho. O ilustre defensor do acusado, dentro do tríduo legal, ofereceu DEFESA PRÉVIA, mas não arrolou testemunhas.

Realizada a instrução criminal colheu-se as declarações da vítima e procedeu-se apenas a inquirição da testemunha Marcelo Costa Neto. Ultimada a instrução, o prazo para a realização de eventuais diligências passou in albis. O Ministério Público, no prazo estabelecido no art. 500 do CPP, ofereceu suas alegações finais sustentando que o acusado agiu mediante emprego de arma, operando-se a emendatio libeli ao pugnar pela condenação do acusado nas penas do art. 157, § 2º, I c/c o art. 14, II, todos do CPB. O Ilustre defensor do acusado assevera que a acusação não comprovou a existência do fato típico, não havendo provas idôneas para justificar um decreto condenatório, salientando que toda a acusação sustenta-se no “descontentamento do moto-taxista pelo não pagamento da corrida realizada. Requer, por conseguinte, a absolvição do acusado, nos termos do art. 386, VI do CPP. Vieram-me os autos conclusos.


É O RELATÓRIO
DA FUNDAMENTAÇÃO E DECISÃO

Impõe-se a prima facie analisar a viabilidade de o órgão acusador dar ao fato capitulação diversa daquela constante da Denúncia. Logo, como se observa da leitura da referida peça, o dominus litis requereu a condenação do acusado nas penas do art. 157, caput c/c o art. 14, II, todos do Código Penal Brasileiro. Todavia, por ocasião das alegações finais, pugnou pela condenação do acusado nas penas do art. 157, § 1º, I c/c o art. 14, II, todos do CPB, porquanto o acusado estaria portando uma arma (faca), amoldando-se assim, a sua conduta à figura típica já descrita. Na verdade, trata-se de mera corrigenda que o Ministério Público operou na classificação atribuída ao fato delituoso imputado ao acusado, considerando que na descrição do fato delituoso e suas circunstâncias, o ilustre Promotor de Justiça descreveu expressamente o fato que legitimou a modificação da figura típica, como se observa: ”o denunciado puxou uma faca grande que carregava consigo e encostou-a nas costas do moto-taxista, ordenando-lhe que parasse a motocicleta...”. É cediço que o próprio magistrado, nos termos do art. 383 do CPP poderia fazê-lo, inclusive sem a ouvida do acusado, pois este se defende dos fatos, conforme o brocardo conhecido Naha mihi factum dibi ti jus,e não da capitulação dada ao fato. Afinal, o juiz pode divergir da classificação jurídica dada ao fato pelo Ministério Público, sendo, inclusive, observado o princípio do contraditório, pois o defensor do acusado teve oportunidade de se manifestar sobre a modificação ocorrida na acusação.

Desta forma, entendo que a nova capitulação dada ao fato pelo Ministério Público encontra-se de conformidade com os princípios da legalidade e do devido processo legal.

No que toca ao meritum causae, entendo que o princípio reitor do processo penal é o descrito no art. 5º, LVII da CF – princípio da presunção da inocência ou da não-culpabilidade -, pelo qual o acusado, no âmbito do processo dialético, deve ser tratado como provável inocente. Logo, na distribuição do ônus probandi, cabe ao órgão Ministerial comprovar a existência do fato típico, antijurídico e culpável. Nesse sentido, é lapidar a lição do jurista Aury Lopes Junior:

“... a partir do momento em que o imputado é presumidamente inocente, não lhe incumbe provar absolutamente nada. Existe uma presunção que deve ser destruída pelo acusador, sem que o réu (e muito menos o Juiz) tenha qualquer dever de contribuir nessa desconstrução (direito ao silêncio – nemo tenetur se deterge).

Ferrajoli esclarece que a acusação tem a carga de descobrir a hipóteses e provas, e a defesa tem o direito (não dever) de contradizer com contra-hipóteses e contra-provas. O juiz, que deve ter como hábito profissional a imparcialidade e a dúvida, tem a tarefa de analisar todas as hipóteses, aceitando a acusatória somente se estiver provada e não a aceitando, se desmentida ou, ainda que não desmentida, não restar suficientemente provada”.

(Direito Processual Penal e sua conformidade Constitucional – vol. I , p. 519)

Transportando essas premissas para a hipótese vertente, vê-se que o órgão acusador não conseguiu comprovar, de forma límpida e extreme de dúvidas, que houve, de fato, tentativa de roubo, ou seja, que o acusado tenha inequivocamente percorrido o iter criminis, ou seja, iniciado a execução do crime de roubo qualificado e não consumado o crime, por circunstâncias alheias à sua vontade. Na verdade, a única prova produzida em Juízo e que passou pelo crivo do contraditório é a declaração da própria vítima, todavia, ela se perde em suas próprias contradições, e não é corroborada pelas demais provas constante dos autos. Vejamos as declarações da vítima na fase policial e na fase judicial:

Declarações da vítima Pedro Jorge Cabral- fls. 09:

“Nas imediações da Vila Zara o declarante sentiu uma cutucada nas costas, na altura da cintura, do lado direito e o indivíduo que estava na garupa mandou que parasse a moto. Sentindo que era um assalto, o declarante se recusou a parar e jogou a moto em cima do passeio, caindo juntamente com o indivíduo que ficou atordoado e deixou uma faca grande (...) e em seguida saiu correndo, pulando um muro de uma casa e lá se escondendo..”.

Ora, em que momento, o acusado usou de violência ou grave ameaça contra a vítima? A vítima sentiu uma cutucada nas costas e ouviu o acusado pedir para parar a moto, quando então pressentiu que seria assaltado, jogando então a moto no passeio? Será que a cutucada foi feita com alguma faca? O que, de fato, o acusado estava querendo subtrair? Em que momento ele anunciou o assalto? E se ele quisesse mesmo parar ali e ir embora? Ora, não se pode condenar ninguém por dúvidas, por conjecturas, quando se sabe que para configurar o crime de roubo na sua forma tentada é imprescindível que o acusado use de violência (vis corporale) ou de grave ameaça de um mal iminente (vis compulsiva), o que não se comprovou nos autos. A declaração da vítima, além de nebulosa, é contraditória com a versão apresentada por ela em Juízo, senão vejamos:

Declarações da vítima Pedro Jorge Cabral – fls. 40

“Quando o acusado ‘deu a mão’, pedindo que o levasse até o restaurante Carne da Pedra, chegando lá, como estava fechado o estabelecimento, ele mandou eu ir para o outro lado da ponte, para a casa da tia do acusado, foi quando ele me encostou uma faca e mandou que eu parasse a motocicleta...”

Veja a primeira contradição: “Que o acusado não chegou a espetar a faca em mim”. A outra contradição é incontornável: “que o acusado deu voz de assalto, encostando a faca na cintura pelo lado direito, e ordenado que eu parasse a motocicleta.”

Ora, a vítima, no primeiro momento que teve para se manifestar, ainda na ardência e calor dos fatos, sem qualquer coação, afirmou claramente que “sentiu uma cutucada nas costas, na altura da cintura (...) e o indivíduo que estava em sua garupa mandou que parasse a moto”. Como se observa, em momento algum foi dito que o acusado anunciou o assalto ou fez uso de faca, ou fez alguma ameaça para subtrair algo da vítima. Na verdade, a versão da vítima é tão inverossímil, que é difícil acreditar que alguém que esteja pilotando uma moto e que leva na garupa um indivíduo que anuncia um assalto e encosta a faca nas costas, ainda tente se arriscar e jogar a moto no passeio para se livrar do assalto. Essa versão – a queda – parece tão frágil que o policial Marcelo Costa Neto, às fls. 61, afirmou categoricamente:

“Que quem me falou sobre todo o assalto foi a própria vítima; que salvo engano, a vítima me disse , que acelerou a moto, no que foi subir a calçada houve a queda da vítima e do acusado; que não reparei nenhuma lesão na vítima e nem no acusado”.

Como se depreende, as declarações da vítima não encontram ressonância em qualquer prova idônea extraída dos autos. A única testemunha que prestou depoimento em Juízo não corrobora com as declarações da vítima, não presenciou os fatos, não forneceu maiores informações que pudessem esclarecer melhor os fatos. Vejamos outros trechos do depoimento da testemunha Marcelo Costa Neto às fls. 61:

“Que quando eu cheguei para conduzir o acusado, a vítima foi quem solicitou para que nós levássemos o acusado até o Posto Policial; que na realidade quem prendeu o acusado foi a própria vítima (...) e que não deparei com ninguém que tivesse presenciado os fatos relacionados na tentativa de assalto.”

Desta forma, como se vê claramente, não há provas suficientes que sustentem um decreto condenatório, pois em momento algum restou comprovado que o acusado tenha utilizado violência ou grave ameaça para obter coisa alheia móvel, não havendo qualquer menção a qualquer bem móvel que o acusado desejasse subtrair.

Na verdade, a versão apresentada pelo acusado em Juízo é a que, de fato, se nos afigura mais provável, dentro do princípio do livre convencimento do juiz, ou sistema de persuasão racional na apreciação das provas abraçado pelo art. 157 do CPP, convencendo-nos de que o acusado pegou uma corrida, mandou parar o moto, e depois saiu correndo, pois estava sem dinheiro para pagar a corrida, sendo depois perseguido pela vítima e seus companheiros moto-taxistas, que o detiveram e fez aparecer a faca. Vejamos o interrogatório do acusado em Juízo – fls. 29:

“Que na Denúncia, somente a viagem com o moto-taxista é verdadeira, eu em nenhum momento tentei roubar o moto-taxista (...) que no momento dos fatos eu não estava portando nenhuma faca; Que o moto-taxista me levou até o destino que eu queria, e eu saí correndo, pois estava sem dinheiro para pagá-lo (...) Que quem me prendeu foram os moto-taxistas (...) que não houve a queda com a motocicleta; que eu não estava transportando nada que eu não estava armado ou tentando roubar o moto-taxista, eu saí da motocicleta, tirei o capacete e saí correndo.”

Desta forma, a própria prova material do crime – a faca – deve ser questionada, pois ninguém, a não ser a vítima, afirma que a faca era do acusado, todavia, não se tomou depoimento nem do amigo da vítima para pelo menos corroborar com esta prova, que por isso mesmo não deve merecer a idoneidade que a legitime como prova material do crime de roubo na sua forma tentada, que sequer chegou a se configurar.

Esta assertiva encontra ressonância em alguns trechos da declaração da própria vítima e da testemunha Marcelo Costa Neto quando afirmam que a vítima saiu em perseguição ao acusado. Ora, saiu em perseguição ao acusado porque ele não quis pagar a corrida, pois quem sofre grave ameaça num assalto não sai incontinenti correndo atrás do assaltante de madrugada, principalmente quando não houve a subtração de qualquer bem.

Como se depreende as provas são insuficientes para sustentar um decreto condenatório, porquanto não restou demonstrado, de forma cabal, a utilização de violência ou grave ameaça, não configurando, portanto, a figura típica – art.157, § 2º, I c/c o art. 14, II, todos do CPB – descrita pelo Ministério Público em suas alegações finais. Como é cediço, a prova de uma sentença condenatória deve ser escorreita, límpida e extreme de dúvida, o que inocorreu no presente caso. Ademais, no âmbito de um Estado Democrático de Direito, não se admite que o juiz condene alguém com dúvida ou por presunção ou conjecturas, mas estribado num juízo de certeza extraído da verdade processualmente possível construída com a observância do devido processo legal. A rigor, como se sabe, in dúbio pro reo.

Posto isso, julgo improcedente a pretensão punitiva do Estado, para ABSOLVER o acusado PEDRO SANTOS LISBOA, brasileiro, solteiro, garçom, residente na Rua Pedro Álvares Cabral, 21, Bairro de Fátima, Itabuna-BA, da imputação que lhe foi feita, em face da insuficiência de provas, nos termos do art. 386, VI do CPP.

Transitado em julgado, baixem-se as restrições com relação ao nome do acusado neste processo e arquivem-se os autos.


P.R. I.

Itabuna-BA, 01 de fevereiro de 2008.


BEL. MARCOS ANTONIO S. BANDEIRA
Juiz de Direito Substituto

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