segunda-feira, 15 de abril de 2013

DESABAFO DE UMA JUÍZA

 
DESABAFO DE UMA JUÍZA
 
 
Por Paula Emília Moura Aragão de Sousa Brasil,

juíza federal no Ceará.


Há cerca de 10 anos atrás, quando me preparava para fazer a foto para a galeria dos juízes federais da Seção Judiciária do Ceará, ouvi do fotógrafo, enquanto eu tentava arrumar meu cabelo: “Não se preocupe, doutora! A máquina vai registrar a alma.” E assim, pus-me em posição para o registro fotográfico.

Revendo a imagem, depois de tanto tempo, vejo que a minha alegria naquele momento, aliada ao sonho de fazer justiça no meu país, deixaram minha aparência realmente mais bonita.

Não costumo me apresentar aos demais recitando minha profissão. Não acho relevante nas apresentações. Mas, hoje, permito-me relembrar tantas vidas que cruzaram a minha, em razão deste meu mister. Permito-me também o registro de que me restou, muitas vezes, desses momentos, o gosto bom de saber que tenho feito alguma diferença, por pequena que seja, para amenizar o sofrimento e a angústia de vidas cansadas e sofridas de tanta miséria, desigualdade e abandono. Por isso e por mais alguns pares de razões, devo confessar que me orgulho muito de ser juíza federal.

Faço essa confissão para dizer que, segunda-feira passada (8-abr-2013), amargurou-me o episódio divulgado em rede nacional, em que o presidente do Supremo Tribunal Federal, em atitude de extrema agressividade e deselegância, destrata publicamente um magistrado consigo reunido, aliás mais de um, muito mais de um...

Pudesse eu dialogar com o aludido ministro, far-lhe-ia meu desabafo, falando baixinho para não constrangê-lo e bem devagar para ter tempo de pensar antes de proferir minhas palavras.

Começaria dizendo:

- Ministro, Vossa Excelência, que é um homem de imensa bagagem intelectual, multiplamente pós-graduado, integrante da mais alta Corte do país, que preza a imagem de homem honesto e independente, recorda a estória do moleiro de Sans-Souci, certamente conhecida por Vossa Excelência, que inclusive estudou na Alemanha?

Então, eu continuaria:

- Excelência, essa estória cala-me fundamente, pois se trata de um episódio em que o homem simples do povo, demonstra fé genuína na magistratura de seu país. O moleiro, diante do Rei Frederico II, nega-se a entregar sua casa, o chão das sucessivas gerações de sua família; e às ameaças reais de esbulho, retruca afirmando ao Rei, que sua casa está resguardada, pois ainda há juízes em Berlim.

Senhor ministro, com todo respeito, apesar do constrangimento que foi para mim assistir ao presidente do STF desrespeitar escandalosamente um juiz, na frente de jornalistas, encontrei alento na resposta do meu colega juiz, Dr. Ivanir César Ireno Jr., porque nos fez lembrar, a todos nós, que ainda há juízes no Brasil.

Juízes, como eu, excelência, trabalhadores, honestos, que abraçam a causa da justiça, que batalham todos os dias contra uma avalanche de demandas que nos batem às portas, expressivas do clamor de uma sociedade, democrática sim, mas sofrida, desesperançada e abandonada por muitos de seus governantes.

Juízes, como eu, excelência, que deixam a família em casa e vão para o fórum tentar fazer sua a parte, a parte que a Constituição do país lhes incumbiu, para tentar resguardar a dignidade de tantas outras famílias.

Juízes, como eu, excelência, que se empenham no trabalho pela consciência do dever de virtude, que respeitam seus pares, sejam eles de instâncias inferiores ou superiores, mas que podem se dar ao luxo de falar o que deve ser dito, pois não pautam sua conduta pelo desejo de ascensão funcional.

Juízes, como eu, Excelência, uma ex-estudante esforçada e sonhadora, que logrou aprovação em concurso público para o ingresso na magistratura, um ingresso isento, democrático, justo, meritocrático e nada mais.

Juízes, como eu, excelência, que olham nos olhos do jurisdicionado durante o interrogatório e dele despedem-se, dizendo-lhes um “seja feliz”; que sonham com o dia em que, no Brasil, nosso povo possa falar como falou o moleiro, pois, se nossa gente assim não fala, não é porque faltam juízes no Brasil, mas porque a muitos interessa que o povo não saiba do valor da magistratura nacional.

Esperava eu, sr. ministro, talvez ingenuamente, que Vossa Excelência, mesmo nunca tendo sido juiz, sendo ministro presidente do Supremo, não estivesse engrossando a fileira desses muitos.

Todos nós, sr. ministro, todos nós juízes merecemos respeito. É apenas o quanto pedimos dos outros, os outros como Vossa Excelência, que nunca foi juiz. Como Vossa Excelência mesmo ressaltou, Vossa Excelência é ministro, ministro presidente do STF.

Juíza sou eu, o Dr. Ivanir César, o Dr. Nino Toldo, tantos de nós, que temos nomes sim, que desejamos e merecemos, como qualquer cidadão respeitado, ser chamados por ele. E que temos voz também, uma voz que repercute profundamente no seio da sociedade e que não precisa de permissão de nenhum homem ou mulher para se fazer ecoar. Uma voz, que não pode se fazer calar pelos gritos exaltados do destempero do Poder. Uma voz, que a Constituição quis que falasse pelo cidadão, no resguardo dos seus direitos, principalmente quando todas as outras vozes calassem ou dissessem o contrário.

Por fim, ministro, se Vossa Excelência puder, peço que aceite o desabafo dessa juíza de primeiro grau ao senhor ministro presidente do Supremo Tribunal Federal. Com todo respeito que devo a Vossa Excelência, que é o mesmo que desejo para mim mesma, para os meus pares e para os meus concidadãos. Seja feliz!

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